O mito das comportas de Barbacena

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Por Petterson Ávila Correa

Andando um pouco nos lugares atingidos pelas enchentes, o que mais se ouve é gente comentando que as comportas de Barbacena foram abertas, e que mais comportas serão abertas caso as chuvas continuarem. Desde criança eu ouço isso quando acontecem enchentes em São João Del Rei, e até bem pouco tempo ainda acreditava nas tais comportas.

Hoje mesmo recebi um telefonema de um colega extremamente preocupado com a enchente me pedindo para avisar outros colegas, pois talvez precisasse de ajuda, pois haviam falado com ele que mais duas comportas seriam abertas em Barbacena, e isso, o atingiria porque a água do rio já estava pertinho do seu local de trabalho.

Por essas razões, e por causa da situação caótica da cidade com inúmeras casas alagadas, pontes interditadas, ruas sem passagens e com a enchente a cerca de 500 metros da casa onde moro resolvi investigar se realmente existe as tais comportas em Barbacena.

Primeiramente fiz uma vasta busca pela internet procurando mapas, textos e tudo que podia para ver se havia alguma relação das enchentes com as tais comportas. Depois conversei com representantes de entidades Ambientais de Barbacena que trabalham pela preservação do Rio das Mortes. Também conversei com um sargento dos Bombeiros de São João Del Rei. Não encontrei nenhuma notícia positiva de que exista as tais comportas, crença que faz parte da memória popular dos sanjoanenses.

Apesar de não haver comportas em Barbacena, percebi que as cheias do Rio das Mortes têm haver com outras comportas de usinas de energia elétrica do Rio Grande. Vamos então as questões levantadas para entender um pouco sobre o mito das comportas de Barbacena e a questão das enchentes.

O Rio das Mortes nasce na Serra da Mantiqueira entre Barbacena e Senhora dos Remédios, num distrito de Barbacena chamado Senhora das Dores. É um rio que tem 278 quilômetros de comprimento e percorre uma área de 6541 km². As principais cidades banhadas por ele são: Barbacena, Barroso, Tiradentes, São João Del Rei, Ibituruna, Bom Sucesso e dentre outras. Banha ainda vários distritos. Além disso, o rio serve como limite natural para vários municípios como: Dores de Campos e Barroso; Dores de Campos e Prados; Santa Cruz de Minas e São João Del Rei, dentre outras.

O Rio das Mortes desemboca no Rio Grande. Este último rio é um dos afluentes do Rio Paraná. No Rio Grande estão instaladas as Usinas de Itutinga, Camargos, Furnas, Funil e outras.

O Rio das Mortes no início do século XX comportou uma pequena hidrelétrica chamada de Usina de Ilhéus próximo ao distrito barbacenense de Severiano Resende. Essa foi à primeira usina a fornecer energia em Barbacena até meados do século supracitado. Hoje ela se encontra desativada e mesmo se estivesse em atividade, sua barragem caso houvesse aberto alguma comporta pouco atingiria outras cidades em virtude de seu tamanho pequeno.

É difícil saber ao certo quem e como se criou esse mito tão presente na memória dos sanjoanense sobre as tais comportas, mas podemos levantar a hipótese de que isso possa estar relacionado aos acontecimentos de outras cidades localizadas em margens de rios que possuem barragens.

O Rio Grande, por exemplo, na época das chuvas muitas vezes enche muito em virtude da abertura das comportas de usinas instaladas ao longo dele que causam cheias de forma súbita a qual a velocidade da correnteza fica muito lenta ou praticamente estacionado. Dessa forma, quando o Rio Grande sofre uma cheia muito grande, o Rio das Mortes (que é um afluente desse rio) tem as suas águas “barradas” pelo Rio Grande, provocando a concentração de água no seu curso anterior, e consequentemente nos seus afluentes (córregos e ribeirões), como os córregos da Galinha e do Lenheiro em São João. Quando o Rio das Mortes enche muito e transborda, paralisa as águas de tais córregos vindas a concentrar e transbordar em alguns bairros da cidade como a Vila Nossa Senhora de Fátima.

Indo para a mesorregião da Zona da Mata, podemos dar exemplos mais concretos, como a cidade de Ponte Nova, que há décadas a cidade sofre com as enchentes em virtude de várias barragens construídas acima do Rio Piranga que corta a cidade. Quando o rio enche muito, as comportas das barragens são abertas e as enchentes costumam a chegar 5 metros de altura nas casas. Esse ano, parte da população de Ponte Nova foram avisadas com algumas horas de antecedência que uma grande enchente viria com a abertura de algumas comportas, dessa forma ninguém foi levado pela água. Em Miraí, por exemplo, há alguns anos a cidade foi fortemente atingida pelo rompimento de uma barragem que tampou parte da cidade não só de água, mas por lama também. Várias outras cidades localizadas nas margens de rios que tem usinas hidrelétricas estão passando pelo mesmo problema quando comportas são abertas.

Talvez, o medo dos sanjoanenses das tais comportas de Barbacena, possa também está relacionado à falta de conhecimento da antiga usina que já foi desativada a cerca de 50 anos em Barbacena. Parece que na cabeça de muita gente, a usina ainda funciona e oferece perigo.

Mas há de se registrar aqui, que de acordo com o jornal do Comércio do dia 30 de junho de 2010, a empresa Iguaçu Minas Enérgica de São Paulo adquiriu a antiga usina de Ilhéus para reativá-la. Até o momento ainda não foi achada informação se está havendo mesmo a recuperação da usina.

Ressalta-se ainda, conforme informações de um morador de Barroso preocupado com possíveis enchentes na sua cidade, suspeitas de que obras de drenagens realizadas em um afluente importante do Rio das Mortes chamado de Ribeirão Caireiro, localizado na Av. Cristo Rei em Barbacena pode também estar contribuindo para o aumento súbito do Rio das Mortes, em virtude do aumento da drenagem de suas águas quando chove muito. Além desses fatores, conta também o desmatamento das matas ciliares que vão desde nascente do rio, córregos etc.

Percebe-se que os problemas da cheia do Rio das Mortes que provoca danos nas cidades estão relacionados a um conjunto de fatores que se refere muito mais a intervenção humana (construção de barragens, planejamento urbano, destruição das matas etc.) do que propriamente ao volume de chuvas. O acúmulo de água ao longo do curso do rio por causa de muitas chuvas nas cabeceiras do rio, de ribeirões e córregos é um processo climático normal no verão que não deveria virar pretexto para justificar a questão das enchentes. Por essas e outras razões, querer colocar a culpa das enchentes em fatores naturais é uma forma de se esquivar dos problemas da falta de reorganização técnica e política do espaço urbano historicamente negligenciado pelos poderes públicos.

Como não há política de Estado e muito menos política municipal para resolver os problemas das moradias em área de risco, o problema das barragens, conservação dos rios etc. o problema das enchentes só tende a perpetuar. A negligência histórica dos poderes públicos aumentam os ciclos viciosos que condena milhares de pessoas a ficarem a mercê das caridades do poder público e de entidades civis, que ajuda a aprofundar o jogo da dependência, do clientelismo e dos vergonhosos lobbys eleitorais para fazer chantagem e moeda de troca com a tragédia das pessoas.

Prestando atenção nos discursos e nas posturas dos prefeitos, governadores e outras várias autoridades públicas nos meios de comunicações sobre a questão das enchentes, o que mais se ouve são afirmações atribuindo os problemas das enchentes a causas naturais e um verdadeiro show de caridade e articulações mencionando coisas do tipo: “todos os órgãos do Estado e dos municípios juntamente com a ajuda de entidades filantrópicas não estão medindo esforços para ajudar as pessoas, tá todo mundo unido na empreitada a favor dos desabrigados etc.”.

Mas um projeto sério que tende a atingir o problema pela raiz parece mesmo está apenas nos planos das utopias dos indignados e atingidos, fartos de ver a caridade estatal e das entidades civis crescerem e se repetirem a cada ano sem providências significantes que realmente evite as tragédias.

Propriedade/Autoria:J.Faria lo
Local onde situava a antiga Usina de Ilhéus em Barbacena

FONTES
http://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Grande_%28Minas_Gerais%29
http://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_das_Mortes_%28Minas_Gerais%29
http://pt.wikipedia.org/wiki/Afluente
http://imagensdebarbacena.blogspot.com/2009_05_01_archive.html
http://www.diariodocomercio.com.br/index.php?conteudoId=77635
Instituto Rio Limpo de Barbacena – 32 3333 7708
CPT – Comissão Pastoral da Terra de Barbacena -32 3331 0183
Corpo de Bombeiros de São João Del Rei – 193
Relato de morador de Barroso

3 comentários sobre “O mito das comportas de Barbacena

  1. valentim

    O autor, com propriedade de conhecimento e pesquisas realizadas retrata a enchente desse inponente rio como uma utopia criada pela imaginação popular com criação fictícia de barragens na cidade de Barbacena, porém, esqueceu que esse rio passa também pela cidade de Antônio Carlos/MG deixando um de seus Distritos mais importantes de fora da matéria, que seria São Sebastião de Campolide, que durante chuvas na região fica parcialmente debaixo d´água e sem energia eletrica atinjindo várias casas. O autor dessa matéria, mesmo sem ter citado esse Distrito está de parabéns pelo esclarecimento de certos mitos populares e pela matéria em geral.

  2. O AUTOR PODERIA TER ESPLORADO MELHOR O TEMA, COM FOCO NA POLUIÇÃO DO RIO DAS MORTES CAUSADO PELA CIDADE DE BARBACENA ATRAVÉS DOS AFLUENTES DESSE RIO E PELAS DESGARGAS DE EFLUENTES DAS INDÚSTRIAS, CAUSANDO ASSOREAMENTO DO RIO INCLUSIVE COM QUEDAS DE ÁRVORES EM TODA A SUA EXTENSÃO, PORÉM O MITO SOBRE ALAGAMENTO EXISTE E É REAL E OCORRE PRATICAMNETE TODOS OS ANOS GRAÇAS A INTERVENÇÃO DO HOMEM SOBRE O MEIO.

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